Deu na Mídia.
Jornalista/Repórter. Rubenn Dean Paul Alws
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O templo de Salomão.
Minha Opinião:
Excelente texto, principalmente este parágrafo: "Ao contrário de Salomão, as barbas de Edir Macedo simbolizam a autoridade pela autoridade, sem sabedoria, sem substância, sem clemência, sem amor de qualquer tipo, a não ser por ela mesma. É o poder do poder, o dinheiro do dinheiro, o comando do comando, o abuso do abuso. O yang do yang: um mundo que começa e termina no homem e em sua vertigem de poder, sem mulher e sem entorno."
E, mais uma vez, a riqueza faz surgir seus bajuladores.
E, mais uma vez, a riqueza faz surgir seus bajuladores.
Tem uma simbologia contundente o fato de parte da terra que contaminou o campus da USP Leste ter saído do terreno do assim chamado Templo de Salomão, da Igreja Universal do Reino de Deus. Eu sei que o terreno da universidade, interditado por mais de seis meses, tem outras fontes de contaminação. O gás metano e substâncias cancerígenas encontrados são de várias origens.
E também sei que não foram os neopentecostais que contaminaram o terreno do “templo” no Brás – parte dele era do Lanifício Paulista há décadas. Mas a autoimportância do “bispo” Edir Macedo, que cultiva agora uma barba de patriarca e recebe na inaguração a presidente Dilma, o vice Temer, o governador Alckmin, o prefeito Haddad e o ex-Kassab, o ministro da Casa Civil Aloizio Mercadante e o ministro do Supremo Ricardo Lewandowski, entre outras autoridades subservientes, eleitoreiras e oportunistas, nos cobre de vergonha alheia.
E tem toda uma coerência com uma longa história patriarcal de abusos. Os primeiros a serem humilhados são o próprio Salomão, e Jesus Cristo. Personagem do Velho Testamento, Salomão teria vivido no século 9º a.C., ou seja, é parte de uma estratégia de deixar o menino-propaganda Jesus de lado, e garfar a tradição judaica (que está presente também nos adereços que aparecem na foto acima, as menorás, ou candelabros de sete braços, como se vê na foto acima).
A construção desse “templo” afirma algumas coisas. Entre outras, que todo o polimento humanista que a tradição judaico-cristã recebeu no Novo Testamento, e que de certa forma desembocou tardiamente na Teologia da Libertação, não desautoriza noções antigas e mais brutais. A de que o Deus é exigente e vingativo, sim. E que os “escolhidos” (não mais os judeus, mas os neopentecostais) são sua milícia moral.
Acontece que o rei Salomão, que teria sido casado com 700 mulheres, e amante de mais 300 concubinas, é conhecido pelo Cântico dos Cânticos, o livro mais sensual da Bíblia. Nesse livro bastante atípico, Deus é citado só uma vez, e mesmo assim de forma indireta. Certamente “bispos” e “pastores” devem se excitar com os relatos de tanta fartura – mas nem de longe estão à altura de Salomão, cujos escritos se parecem mais com a literatura pagã.
Naturalmente que os escritos de Salomão não tratam (só) da putaria do poder, mas da relação com a natureza, que as mulheres simbolizam. Diz ele: “Que deliciosas são suas carícias, minha irmã, minha mulher! Seu amor é melhor do que o vinho, e a fragrância do seu perfume melhor do que a de todas as especiarias/ Seus lábios gotejam favos de mel, minha mulher; mel e leite estão debaixo da sua língua, e o cheiro dos teus vestidos é como o cheiro do Líbano/ Você é um jardim secreto, minha irmã, minha mulher, nascente fechada, fonte selada/ De você brota um pomar de romãs com frutas ótimas, com flores de hena e nardo/ Nardo e açafrão, cálamo e canela, com todas as madeiras aromáticas, mirra e aloés e as mais finas especiarias/ Você é uma fonte dos jardins, poço das águas vivas, que vêm do Líbano!”.
E em outro trecho a amada descreve o Rei como se fosse uma encarnação furtiva de Pan, ou um sátiro: “O meu amado é como um gamo, ou um cervo novo/ Vejam, lá está ele atrás do nosso muro, olhando pelas janelas, espreitando pelas grades”. Tenho grande dificuldade em enxergar um pastor evangélico nesse ser sedutor em meio ao bosque.
Voltando ao mundo contaminado. Numa investigação do Ministério Público, surgiu a informação de onde veio parte da terra descartada irregularmente no terreno onde seria levantado campus leste da universidade, em janeiro de 2011. Como é área de proteção, a terra teria que ser analisada e receber licença ambiental. Um engenheiro que avisou o diretor da escola da irregularidade foi ameaçado anonimamente por telefone, em 2013.
Foi o dono da transportadora Ratão quem revelou que a terra foi transportada do terreno do “templo”. Aliás construído fraudulentamente, com base num parecer corrupto de reforma, concedido pelo escroque Husain Aref Saab, da gangue que comandava a fiscalização de obras da prefeitura na gestão Kassab. Que essa terra “sagrada” (não) tenha ido interditar uma universidade pública é de uma suprema ironia. O conhecimento e o Estado Laico também estão entre os humilhados.
Valter Pereira da Silva, o sr. Ratão dessa história, consta ter declarado no inquérito: “Por determinação do governador Geraldo Alckmin, no ano de 2007 o sr. Marcos Alano, responsável pela empresa de terraplanagem Alano, retirou a calha do rio Tietê e todo o entulho oriundo da demolição do Presídio do Carandiru e os jogou na área onde hoje está instalada a USP-Zona Leste (...) Como o declarante estava fazendo serviço de terraplanagem no Templo do Rei Salomão, do bispo Edir Macedo, precisava de um lugar para despejar terra decorrente da escavação para a construção do referido Templo”.
Esse sim é o Deus que eu respeito, o supremo roteirista, que escolhe um nome maravilhoso desses, RATÃO, para compor o roteiro. É dessa “relação com a natureza” que se trata: uma sociedade de patriarcalismo exaltado, em que acumulação e o poder linear substituem qualquer sensibilidade no trato com o mundo material, o mundo natural, dos ciclos e da conservação.
Foi o homem, não a natureza, que inventou os esgotos habitados pelos ratões. A natureza é limpa, mesmo quando é “suja”. São os dejetos e resíduos humanos acumulados que poluem, entopem e destroem nosso planeta. O gosto pelo dinheiro não é “materialista”; pelo contrário. Enxergar valor num pedaço de papel é idealismo puro. E esse papel não surgiu para humilhar.
É desse curtocircuito que se gera quando se prega que o “espírito” (o masculino, o formal, o regrado) é superior à “matéria” (o feminino, o intuitivo, o natural) que as religiões monoteístas se alimentam. O poder pessoal é deslocado para uma fonte externa, pretensamente superior e necessariamente autoritária. A busca humana de uma compreensão ética da vida é terceirizada. O dinheiro se torna superior ao que ele mesmo compra.
Ao contrário de Salomão, as barbas de Edir Macedo simbolizam a autoridade pela autoridade, sem sabedoria, sem substância, sem clemência, sem amor de qualquer tipo, a não ser por ela mesma. É o poder do poder, o dinheiro do dinheiro, o comando do comando, o abuso do abuso. O yang do yang: um mundo que começa e termina no homem e em sua vertigem de poder, sem mulher e sem entorno.
A cabala judaica, que os neopentecostais tentam emular magicamente, trata do equilíbrio entre poder e responsabilidade. O povo “escolhido” não significa os apadrinhados de um deus nepotista, que distribui cargos, benesses e prestígio a quem puxa seu saco. Pelo contrário, significa a presença de Deus na sua ética, nos seus hábitos, de tal forma que a riqueza, a saúde e a justiça se distribuam entre todos os seus filhos, administradas por líderes sábios. (Não que os judeus cabalistas tenham matado a charada, como vemos na Palestina.)
Ver nossas “lideranças” políticas todas sob as barbas de Edir Macedo, senhor de ratões e esgotos, de contaminações e interdições, não tem como nos deixar muito otimistas. É esse espelho distorcido que nossos homens e mulheres públicos procuram: o espelho de Edir e seu “poder”. Inclusive Alckmin, Kassab e agora Haddad, que se põe diretamente na linha de tiro desse escândalo.
Mas que faz todo o sentido, lá isso faz. O cristão-black-block que pixou a parede do “templo” antes da inauguração com um “Atos 17:24” (a passagem bíblica “Deus não habita em templos feitos pelas mãos de homens”) me representa. Porque os humilhados por essa inauguração somos todos nós.
DEU NA MÍDIA.
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