A Câmara Brasil-China de Desenvolvimento Econômico (CBCDE) surgiu da
necessidade de haver uma entidade reconhecida e representativa,
com serviços, estrutura, parcerias estratégicas e
conhecimento específico, para edificar e
promover o comércio entre o Brasil e a China. E em seus 10 anos, a
CBCDE vem fazendo um importante trabalho.
O empresário Fernando Ou assumiu em 2010 a presidência da CBCDE.
 
Nascido na cidade de Qing Tian, na Província de Zhejiang, Ou vive há 38 anos no Brasil,
onde atua no ramo da importação de maquinário para construção civil.
Há 10 anos atua na promoção das relações e dos negócios entre o Brasil e a China e
foi presidente da Associação Chinesa do Brasil (ACB) por duas gestões.
Em 2010 foi escolhido pelo governo chinês representante da comunidade chinesa
da América Latina na 3ª sessão anual da 11ª Assembleia Popular Nacional (APN), principal
órgão legislativo da China. Tem o título de Personalidade da Comunidade Chinesa
do Brasil, outorgado pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.
 
 
 
Em sua opinião, quais são os principais motivos que impulsionam a relação Brasil-China? 
 
 
Brasil e China são países em desenvolvimento. Ambos buscam o bem-estar de seus povos. Com a nova estrutura de crescimento mundial, na qual os países em desenvolvimento têm um novo papel, brasileiros e chineses têm de andar juntos, pois possuem economias complementares em vários setores e podem encontrar soluções para as áreas mais complexas. Destaco que os principais motivos para essa parceria são o novo realinhamento econômico mundial e a nova posição dos chamados países emergentes. O crescimento chinês, antes visto como uma bolha, gerou procura por commodities que o Brasil tinha a oferecer. E isso fez aumentar a procura de negócios no Brasil por parte dos chineses. Hoje essa parceria também envolve setores mais industriais, como o de tablets e o automotivo, o que mostra que o comércio bilateral pode e deve ser aperfeiçoado para que contemple os interesses dos dois países.
 
 
Qual é a relevância da China para a política externa do Brasil? 
 
 
A China e o Brasil têm interesses comuns em várias pautas externas. Isso foi demonstrado pela parceria de ambos em importantes fóruns, como o G20, e na recente reunião dos BRICs. Essa mudança foi e está sendo importante, pois a pauta de debates globais estava muito contaminada apenas pelos interesses hegemônicos americanos e da integração europeia. Com essa inflexão da postura da China e do Brasil, que teve o apoio de outros países emergentes, o contexto do debate mudou. Hoje é impossível pensar num G8 mais forte do que o G20. É impossível pensar numa mudança no mercado financeiro sem a decisiva participação de China e Brasil, ambos credores dos EUA, ambos importantes cotistas do FMI e ambos geradores do atual crescimento econômico mundial. Ou seja: os dois países são atores importantes e devem caminhar juntos.
 
 
Quais são os principais obstáculos na relação entre o Brasil e a China? 
 
 
Há muito mito na relação Brasil-China. Muita gente ainda fala dela como se estivéssemos em 1974, ano em que as duas nações reataram relações diplomáticas. Outros ainda enxergam nessa relação um ganho apenas para a China. Quem poderia comprar a maior parte, da produção de commodities do Brasil, como ocorre hoje? Isso gera empregos só na China ou também no Brasil? Essas questões são elementares e devem ser colocadas no debate. Cabe ao Brasil modificar sua pauta de exportação, o que o governo do presidente Lula fez e o da presidenta Dilma está fazendo. Mas isso não depende só do Brasil. O mercado hoje é global e o Brasil vai ter de investir em educação e tecnologia, como fez a China. Mas isso não é novidade. O Japão fez isso. A Coreia do Sul fez isso. E o Brasil, hoje, está nesse caminho. Mas isso leva tempo. Vejo que o maior obstáculo é a comunicação entre os dois países. Os brasileiros precisam conhecer melhor a China e os chineses, da mesma forma, o Brasil. Uma ou outra pendência comercial não pode afastar esses dois grandes parceiros.
 
 
Como os empresários brasileiros têm abordado o desafio de entrar no mercado chinês? Há coordenação com o governo federal? Com as câmaras de comércio? 
 
 
Empresários de norte a sul do Brasil já fazem negócios com a China, mas muitos ainda têm a intermediação de empresas americanas e europeias. O preço da soja ainda é negociado em Chicago... Mas acredito que isso também está em mudança. Hoje vejo que os empresários já buscam conhecer diretamente as opções de negócios. Como exemplo cito o crescimento exponencial de pedidos de visto para visitas à China. Câmaras de comércio são instrumentos importantes, pois os próprios empresários fazem parte da sua composição. Ir para a China sem uma assessoria de negócio é temerário. Muitos foram – e ainda vão – e voltaram com uma imagem negativa das relações comerciais. Mas muitos outros vão com a ajuda da CBCDE, por exemplo, e voltam com várias oportunidades, muitas das quais viram contratos de compra e venda. Muitos geram empregos aqui e lá. O governo também tem sua parcela de importância e a meu ver está fazendo a sua parte. A presidenta Dilma visitou a China, mas ainda não foi aos EUA. Isso pode ser simbólico, demonstra que o governo não descuida dessa aproximação. E ressalto que as missões comerciais brasileiras sempre têm a participação de muitos empresários.
 
 
Qual é a diferença entre o discurso da China e o dos países europeus no que diz respeito às relações com o Brasil?
 
 
O discurso é mutável. E no caso das relações entre países mais ainda. A Europa da década de 2000 era uma zona de integração forte e em crescimento. Hoje a mesma Europa é uma economia frágil e em crise. Mas o discurso, em vários temas, não mudou e não mudará. O que está por trás do discurso é que a China promove uma invasão de produtos no Brasil. Muitas das empresas ditas brasileiras que se queixam são, na verdade, multinacionais americanas e europeias, que estão aqui, mas representam interesses de seus países de origem. Não se pode esquecer de que muito do que se diz sobre o crescimento da parceria entre o Brasil e a China, na realidade, tem a ver com essa "guerra" comercial. A China, por outro lado, tem enfrentado junto com o Brasil temas complexos e avançados. Veja o caso da entrada de empresas de alta tecnologia no mercado brasileiro. O Brasil não tem essa tecnologia. A vinda dessas empresas vai gerar formação de mão de obra. E também gerará pesquisa. Essa negociação foi feita em alto nível, envolveu as chancelarias dos dois países. E avançou. Não vejo isso nas parcerias americanas e europeias com o Brasil. Isso se reflete nos dados da balança comercial, obviamente.
 
 
Quais são as principais estratégias que a China usa na abordagem ao Brasil? A cooperação econômica? A cooperação política? 
 
 
A China faz negócios há 6 mil anos. Há uma cultura comercial adquirida ao longo desse tempo. Claro que o mundo mudou, mas ressalto que o negociador chinês tem experiência em comércio exterior, adquirida principalmente nos últimos 20 anos. As estratégias usadas são conhecidas e utilizadas por todos; o que diferencia o empresário chinês é sua determinação em ouvir, conhecer, estudar e ousar. Muitas empresas chinesas tiveram prejuízos, pois mesmo com esses cuidados fizeram apostas erradas. Mas muitas empresas foram bem sucedidas. A estratégia é não desistir de entrar no mercado brasileiro e buscar parceiros certos e honestos. Conhecer de perto o mercado é fundamental. A cooperação econômica e política é a base para qualquer negociação. Não tenho dúvidas de que as estratégias são importantes, mas elas não podem estar desconectadas de uma cooperação em alto nível.
 
 
Qual é o nível de institucionalização das relações entre a China e o Brasil? Quais instituições foram criadas e qual o seu papel na promoção das relações bilaterais? 
 
 
Como já disse, China e Brasil têm feito ações externas para se aproximar entre si e aproximar outros países emergentes. Hoje o mundo percebe que há sinergias em muitas das posições sino-brasileiras. A institucionalização precisa ser incorporada pelos empresários e pela sociedade. Sem essa parceria seria muito difícil um crescimento comercial robusto. Mas registro que há áreas ainda não exploradas nessas relações, como a parte cultural, educacional e tecnológica. Esses setores podem ser pontes para que chineses e brasileiros se conheçam mais e façam trocas de conteúdo e de negócios.
 
 
Considera que as relações entre a China e o Brasil são principalmente centradas no Estado ou outros atores (como empresas privadas, decisores políticos, organizações internacionais) influenciam o desenvolvimento das relações?
 
 
O Estado, seja ele chinês ou brasileiro, deve ter papel indutor e regular alguns setores. Mas ressalto que ele não pode substituir as empresas e o papel dos empresários. Por isso é importante se ter claro até onde vai o Estado e até onde o empresariado pode ir. Numa relação de negócios deve haver um direcionamento para as prioridades, mas essa costura governamental não pode deixar de lado os observadores, os empresários etc... Mas os empresários tampouco podem esperar que o Estado resolva seus problemas, como na questão de impor barreiras. As barreiras podem até segurar o fluxo de comércio por um tempo, mas não melhoram o mercado interno nem a competitividade, e com o tempo atrofiam o próprio desenvolvimento do país. Atores como as câmaras de comércio podem ajudar a fazer a ponte. E são fundamentais para não seja preciso adotar medidas que só afastam as parcerias. É necessário sempre sentar à mesa, debater e encontrar as soluções. 
 
 
De que forma o Brasil olha para o crescimento chinês?
 
 
O Brasil não só observa, mas está aproveitando o crescimento chinês para melhorar vários setores da sua economia. O caso do agronegócio é emblemático. Hoje essa cadeia de exportação, muito voltada para a China, seu maior comprador, gera impacto em outros setores. Para se exportar soja são necessárias estradas e portos para escoamento. A melhora da infraestrutura beneficia outras culturas produtivas e até favorece o transporte de pessoas entre cidades. Mas ainda vejo o Brasil tímido e pouco ousado na hora de tomar decisões para grandes projetos. Registro também que não é só o Brasil que olha e usufrui do crescimento chinês. Das 500 maiores empresas americanas, 90% têm filial na China. Na Europa não é diferente. Quantas empresas brasileiras têm filial na China? Poucas. Por isso a CBCDE quer incentivar a ida de empresas para lá, fornecendo a elas o apoio necessário.
 
 
China e Brasil: potenciais competidores?
 
 
Não é certo dizer que os dois países são competidores. São parceiros comerciais que têm relações em muitos setores e como tal também enfrentam muitos desafios. A competição no mercado internacional é saudável, gera novas estratégias e novas tecnologias. Vejo os dois países mais como complementares do que como competidores. Muito do que se fala da competição entre a China e o Brasil é, na verdade, uma briga entre empresas multinacionais e a China. O caso dos automóveis é interessante. A indústria automotiva brasileira não é propriamente nacional. A China, por sua vez, tem nessa área empresas novas, que estão se desenvolvendo e competindo. A entrada delas no Brasil causa desconforto nas empresas que dominam o mercado brasileiro, pois gera competição nos preços e no que é oferecido nos automóveis. Isso é bom ou ruim? Bom ou ruim para quem? É preciso fazer essa ressalva para que não se pense que a China é um parceiro negativo para o Brasil. A China não vai indicar quais setores o Brasil deve ter como prioridade e quais indústrias deve desenvolver. Mas está pronta para ser parceira no desenvolvimento de várias áreas nas quais o Brasil não tem tecnologia. E, da mesma forma, também quer aprender em setores que não domina, como a agricultura, a extração de petróleo etc.
 
 
Quando se fala em empresas brasileiras na China muitos pensam apenas em grandes companhias, como a Embraer e a Embraco, ou na exportação de commodities. Há espaço para empresas de menor porte? 
 
 
A CBCDE tem entre seus associados empresas grandes, médias e pequenas. Isso comprova que acreditamos que existem negócios e oportunidades para todos. Na Itália, 80% das exportações são feitas por pequenas empresas. A presidenta Dilma sabe da importância dos pequenos empresários e encaminhou projeto de lei criando o Ministério das Pequenas e Médias Empresas. Isso indica o foco do governo brasileiro na promoção de políticas para desenvolver esse tipo de empresa. Por isso é fundamental estimularmos as missões comerciais, que são integradas principalmente por pequenas empresas. Juntas, elas podem somar forças e fazer muitos negócios.
 
 
Quais são os principais cuidados para uma empresa nacional iniciar qualquer negócio na China?
 
 
É preciso uma consultoria ou assistência prévia. Isso pode se dar via câmara de comércio ou via Sebrae e entidades setoriais como federações comerciais. Mas alerto que o principal cuidado é não cair no conto do negócio fácil. “Se eu conseguir vender para 1% dos chineses...” Esse é um grande mito para muitas empresas. Isso só será possível se houver investimento contínuo e se elas contarem com a ajuda de especialistas no mercado chinês. Deve-se ter claro que na China a competição é brutal e o mercado é dinâmico. Outro cuidado é com os prazos de contrato e de pagamento. É preciso muito know-how na hora de se fechar um contrato. Isso é necessário para não se ter dores de cabeça. É sempre muito importante ter relacionamento direto com o parceiro chinês. Visitar a fábrica, conhecer sua rede de clientes etc..
 
 
Quando se fala em produtos chineses logo se imagina tecnologia a preços competitivos. O Sr. acredita ser possível uma empresa de tecnologia brasileira competir na China?
 
 
Não só é possível como já acontece. O caso da Embraer é clássico. E há a Embraco, entre outras. O mercado financeiro do Brasil também deveria se mirar no chinês. O Brasil tem uma área de tecnologia de serviços que ainda não existe na China. É uma oportunidade. Também temos uma tecnologia em produção de alimentos que a China não tem.
 
 
Qual a diferença entre o empresário chinês e o brasileiro?
 
 
Pode parecer que há muitas diferenças, mas depois de um ano ou dois anos se constata que eles são parecidos. Todo empresário, no fundo, quer aumentar seu mercado. Há uma simpatia grande entre chineses e brasileiros. Tenho muitos amigos no Brasil, e as amizades vão além dos negócios. A CBCDE reúne empresários dos dois países, que convivem de forma harmônica. Nas missões que a Câmara organiza se vê esse entrosamento. Os empresários se ajudam. Chega uma hora em que cada qual vai cuidar do seu mercado, mas isso é normal, com outros povos também é assim.
 
 
Fale sobre o trabalho de 10 anos da CBCDE.
 
 
A Câmara Brasil-China de Desenvolvimento Econômico chega a esta fase consciente dos imensos desafios que tem diante de si. Mas chega também cheia de alegria, pois quando começou a funcionar a corrente de comércio entre os dois países não passava de US$ 1 bilhão, e hoje ultrapassa US$ 50 bilhões. É um crescimento expressivo e emblemático de tudo o que foi feito. Não só pela CBCDE, é claro, mas ela ajudou no debate, na mediação, na busca de soluções. Nosso objetivo é que nos próximos dez anos a parceria entre a China e o Brasil se expanda para setores que ainda não são prioritários, e que no entanto são norteadores do desenvolvimento, como tecnologia e educação. Contamos com a ajuda dos governos dos dois países para que nosso suporte esteja sempre presente. E pretendemos iniciar um processo de expansão de nossas atividades para além de São Paulo. O que realmente desejamos é que os negócios possam ser feitos, mas que sejam feitos para o desenvolvimento e a melhoria da qualidade de vida dos chineses e brasileiros. Se não tiverem esse fim, então não terá valido a pena.