REPÓRTER . RUBENN DEAN . MAT. ABR.2013/0143
Primeira geração com HIV enfrenta os desafios do envelhecimento precoce
Soropositivos
infectados no início da epidemia que sobreviveram numa época em que não
havia terapia e o diagnóstico era uma sentença de morte se deparam com
doenças comuns às pessoas mais velhas, como câncer, infarto e AVC
Passados 30 anos da descoberta do vírus responsável por causar a aids
e pelo menos 15 anos depois de o diagnóstico ter deixado de ser
considerado uma sentença de morte, a primeira pergunta que muitos
pacientes ainda fazem logo após saber que são soropositivos é: quanto
tempo eu tenho de vida? O infectologista Alexandre Naime Barbosa tem a
resposta na ponta da língua: "O mesmo tempo que qualquer outra pessoa da
sua idade".
Fica para os soropositivos com longo tempo de
convivência com o vírus, porém, uma outra constatação. Os pacientes
vivem mais, sim, mas envelhecem mais rapidamente.
O advento da
terapia antirretroviral, com vários medicamentos, conseguiu controlar a
principal causa de morte durante o início da epidemia: as doenças
oportunistas, que surgiam depois que o vírus, em multiplicação
alucinada, aniquilava as defesas do organismo.
As drogas
conseguiram diminuir a replicação do vírus a ponto de a carga viral, nas
pessoas que tomam o remédio rigorosamente, ficar indetectável no
sangue. Algumas partes do corpo, porém, funcionam como reservatório do
vírus, como os sistemas nervoso central e linfático. Uma espécie de
refúgio, já que neles os vírus ficam fora do alcance das drogas e
continuam se replicando lentamente.
"A gente assistiu à história
de 30 anos da doença vendo-a de trás para frente. A primeira visão foi
catastrófica. A aids levava a uma profunda redução da imunidade, a ponto
de a pessoa morrer em decorrência das doenças oportunistas. Conseguimos
mudar isso, tratar as pessoas. Aí, começamos a ver a doença pelo
começo", diz Ricardo Diaz, infectologista da Universidade Federal de São
Paulo (Unifesp).
"A infecção por HIV é inflamatória, no modelo de
outras doenças crônicas. Mesmo tratando, ficam resquícios do vírus que
promovem uma resposta de inflamação constante do corpo - e é ela que
acelera o processo de degeneração dos órgãos e dos tecidos. Então, os
desafios mudam. Agora precisamos lidar com esse envelhecimento
prematuro", afirma Diaz.
Nos últimos anos, vários estudos em todo o
mundo vêm mostrando que o corpo de uma pessoa que vive por muitos anos
com o HIV acaba funcionando como o de alguém que tem, em média, 15 anos a
mais.
As comorbidades mais comuns são as doenças
cardiovasculares, como infarto e AVC (acidente vascular cerebral), que
têm uma prevalência maior nessa população. Em segundo lugar, vêm os
vários tipos de cânceres, como o de próstata, mama e colo de útero.
Também são comuns perda de massa óssea, diabete e distúrbios
neurocognitivos, como demência precoce. E deficiência renal, mas que
pode estar mais relacionada ao próprio uso dos remédios.
"Envelhecer para todas as pessoas nada mais é do que ficar inflamado
por muito tempo, o que ocorre com o chamado estresse oxidativo, com a
liberação de radicais livres. No caso dos pacientes com HIV, é o vírus,
entre outros processos, que faz isso bem mais cedo", explica Barbosa,
que coordena um centro de tratamento de HIV na Faculdade de Medicina da
Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu.
Cuidados
extras. A solução, afirma o médico, é tentar lidar preventivamente com
isso, associando outros medicamentos quando necessário. "Mulheres com o
HIV devem fazer o exame de papanicolau e mamografia a cada seis meses.
Recomendamos que todos sempre tomem vacinas." Com esses cuidados, diz,
mesmo com uma incidência maior de outros problemas de saúde, não há
impacto na expectativa de vida. "A mortalidade é praticamente igual a de
quem não tem HIV. Só é preciso ter mais cuidados."
A situação é
bem conhecida de Abelardo Pereira da Silva, de 63 anos, há 32 vivendo
com o vírus. A infecção ocorreu no longíquo 1981, quando os primeiros
casos eram identificados nos Estados Unidos. Ele teve uma úlcera que
supurou e precisou receber várias bolsas em transfusão de sangue.
Quando
o noticiário começou a mostrar que aquela era uma maneira de contrair a
estranha doença, encasquetou. Queria fazer o exame a todo custo, mas
não existia no Brasil. Só em 1988 fez o exame e confirmou suas
suspeitas. Até iniciar o tratamento, em 1996, teve fraqueza, algumas
pneumonias, mas superou os problemas no melhor estilo "sobrevivente".
"Aprendi
a ser mais forte que o vírus, mas sei que tenho de cuidar da
alimentação, do sono, da higiene, tomar o remédio às 6h e às 18h. Tomo
uma cervejinha de vez em quando, mas faço hora com a latinha. Depois de
velho, voltei a estudar, porque para isso nunca tem idade." Entrou no
Grupo de Apoio à Prevenção à Aids (Gapa), a primeira ONG a lidar com a
doença, e dá palestra pelo País. "Falo sobre a adesão ao remédio. Ele
não é bom, mas é melhor viver."
JORNALISTA . APRESENTADOR
RUBENN DEAN PAUL ALWS
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